sábado, 26 de abril de 2008

Comunicação pertencente ao comunicador

Leonardo Júnior e João Malheiro

João Malheiro falou sobre jornalismo e sobre a direcção de Comunicação do Benfica, fazendo uma breve trajectória pela assessoria, numa palestra do Milénio da Comunicação que decorreu no passado dia 17, no ISLA Gaia.
O comunicador começou por, subsequentemente à apresentação exposta por Leonardo Júnior (docente do instituto), referir que “há quem diga que o excesso de modéstia é a maior expressão de vaidade e, dessa forma, por aquilo que eu vou dizer corro o risco que me interpretem dessa forma”. Efectivamente, estamos a falar de um profissional que é considerado “dos últimos jornalistas sem curso”, de acordo com o mesmo, tendo-se licenciado em História. Certo de que a grande maioria dos presentes terão como imagem mais forte aquela aquando da ocupação do cargo de director de comunicação do Benfica, João Malheiro encetou o discurso informal por essa actividade - para muitos desconhecida - de director de comunicação, um cargo que compreendia “tarefas políticas e não me limitava às tarefas técnicas". "Com todo o respeito para os colegas que têm essa actividade, eu jamais aceitaria ir para o Benfica e sair da TSF, onde estava, para abrir e fechar a porta aos jornalistas ou para ligar a avisar a que horas era a conferência de imprensa”, confessa o profissional. Abertamente, João Malheiro não teme afirmar: “antes de mim não havia directores de comunicação, depois de mim não há directores de comunicação”. O que o profissional compreende por director de comunicação envolve uma pessoa que comunica, o que não quer dizer que seja aquela que manda e, por isso, explica que “o que se nota é que o futebol é uma realidade muito específica, na nossa sociedade. Normalmente, [os dirigentes de clubes de futebol] são patos bravos, normalmente são pessoas que fizeram dinheiro fácil e não estou a dizer ilegalmente” e daí que suscite o raciocínio erróneo de que quem fala é que é importante, “quem manda e não há base de sustentação cultural – que permita a determinados presidentes que o melhor que têm a fazer é estar calados e alguns nunca deviam abrir a boca – para deixar falar quem sabe comunicar”, revela.
“Toda a comunicação do clube era feita por mim, a não ser aquela que obrigasse à presença do presidente do clube”, lembra o ex-director de comunicação, “fazia toda a comunicação quer em nome do futebol, quer em nome da direcção ou do conselho de administração da SAD”. João Malheiro enfatiza o facto de estarmos a viver sob uma “cultura tripartida desportivamente falando” e, por isso, aquando das actividades ao serviço do Benfica foi “inovador neste país com a elaboração de um briefing diário com a comunicação social. Todos os dias eu dava a voz e a cara”. As vantagens que acarretava para os jornalistas situavam-se no sentido de evitar a busca pela informação, sem terem de especular ou tentar saber o que se passava. Com presença em todas as reuniões da direcção, segundo o próprio, João Malheiro certificava-se de que a imagem do clube, que era ele, porta-voz, director de comunicação, “conhecesse a fundo toda a vida do clube”. Presentemente, essa realidade não lhe parece viável ao dizer: “não me parece que os directores de comunicação estejam lá”.


O assessor de imprensa “por norma, debita linguagem técnica. Há uma conferência de imprensa que a direcção decide dar e ele liga para as redacções a convocar. Está lá mas abre a porta aos jornalistas, quando é um bocadinho atrevido senta-se no cantinho da mesa e diz «podem começar» e, no final, diz «obrigado». Vê os dossiers do dia, tudo o que diz respeito, despacha para os diferentes gabinetes a matéria temática, mas não tem visibilidade. Este é o assessor de imprensa”. Para efectivar tais competências o comunicador confessa que “eu nunca aceitaria ir para o Benfica fazer isto. Podiam-me pagar o dobro eu não ia”. Isso não era aquilo que estava disposto a fazer e dentro das competências que executava o principal desafio ao serviço do clube da Luz traduziu-se no facto de nunca ter pensado“marcar tanto a sociedade portuguesa e marca-la negativamente em certo sentido”, revela.
À parte de clubismos ou de resultados, tendo em conta que estávamos em véspera do clássico Porto-Benfica e no rescaldo do derby lisboeta com o Sporting, a “falta de nível, de classe é assustadora” para João Malheiro, na altura em que se colocaram na mesa as afirmações proferidas por Pinto da Costa durante a semana.


A garra de João Malheiro advém de muito antes da época de faculdade, ainda que tenha sido nesse percurso que começou a dar os primeiros passos no jornalismo: tinha-se fundado o “único diário desportivo em Portugal, o jornal O Jogo aqui no Porto, na altura, pertencia à empresa Jornal de Notícias e eu comecei a fazer umas coisas, a pedido de umas pessoas, sobre o Rio Ave, sobre Vila do Conde”, recorda. Afirmou-se na redacção do jornal na década de 80 e fez a incursão pela rádio. “Fundou-se uma cooperativa de jornalistas daqui do Norte, que eu integrei juntamente com Manuel Dias, Rui Lima Jorge, entre outros bons jornalistas com grande experiência da rádio e do audiovisual” e foi não muito tempo depois que surgiu o convite para a RTP. Portanto, João Malheiro efectivou nas três vertentes da comunicação social ao mesmo tempo: a escrita, a radiofónica e, não obstante, a audiovisual. Uma afirmação surte por entre o discurso “sou tanto mais feliz quanto mais registos abarcar”, declara.
No que concerne ao jornalismo “não há jornalismo mau e jornalismo bom, não há registo aceitável e registo inaceitável, há é bons ou maus jornalistas há boas ou más matérias”, de acordo com o entendimento pessoal, “ e seja qual for o tema tudo é possível”. Pela televisão, já fez uma breve incursão pela crónica policial, na SIC, e é essa versatilidade de ingressar por projectos distintos que lhe dá “satisfação e procuro emprestar alguma qualidade, exercer alguma pedagogia nas abordagens e ter também um cariz interventivo”. A posteriori, no jornalismo social confessa ter hesitado, numa fase inicial, tendo em conta o passado. Por entre «intelectualites agudas» e saberes mais entendidos acabou por aceitar a opinião daqueles que, realmente, fazem algum sentido no espectro que acerca o território nacional. E ser jornalista é “ter a mente muito aberta e tentar perceber tudo”, por isso é que João Malheiro reflectiu sobre o fenómeno relativo à venda das revistas cor-de-rosa e não apenas essas, visto que se evidencia a “preocupação que jornais e jornais de referência têm em incluir os chamados assuntos sociais nas suas páginas, porque de outra forma as vendas seriam manifestamente inferiores”, salienta.


No decorrer da conversa, a carteira de jornalista, abordada com Afonso de Melo, voltou a ser o tema que envolveu alguma polémica, no entanto, a resposta precisa despoletou de imediato “eu e o Afonso de Melo até somos concorrentes a vários níveis, mas devo dizer que mal o país que pode prescindir de um talento como o Afonso e, portanto, não atribuir a carteira profissional ao Afonso de Melo, porque durante um ano não colaborou neste ou naquele jornal, acho uma fantochada de todo o tamanho” e continua “é uma obrigação, é um prestigio para a classe que o Afonso de Melo tenha a carteira profissional”. Deparado com um espectro de bons profissionais que não têm carteira e de maus profissionais detentores da mesma, o que não quer dizer que se esteja a fazer uma generalização, a carteira é, para este profissional, “um bluf, pois há que de uma forma muito clara perceber quem pode, quem não pode, sobretudo, quem faz bem e quem faz mal. O Afonso de Melo onde se mete faz as coisas bem feitas”, certifica, e aqui fica a mensagem “o Afonso de Melo, que fique claro, é um talento e é uma pessoa com uma cultura acima da média, e faz falta ao jornalismo. Não é um documento que o vai habilitar ou deixar de habilitar para fazer aquilo que ele melhor sabe e que todos nós esperamos que venha a fazer: que é jornalismo”.
A candidatura à Presidência de Manuel Alegre constitui outro dos marcos que João Malheiro vincou e confessa que achou graça perceber que o país o conhece bem, mais na vertente futebolística. Essa que “foi das experiências mais gratificantes que tive na minha vida” permitiu-lhe “compreender melhor um bocadinho o país, as necessidades do país, as aspirações profundas do nosso povo”.

Como Leonardo Júnior sintetizou João Malheiro “formou-se no trabalho mesmo, não tem curso de jornalismo feito, o que não quer dizer que não seja um dos jornalistas de referência daqui de Portugal. O jornalismo também é isto é as pessoas quererem ser aquilo que querem mas conquistando o lugar que podem um dia vir a ocupar”. Repartido entre Lisboa e o Norte do país, confessa que ainda que a sua paixão se volte a Norte, “adora Lisboa e, relativamente, a jornalismo Lisboa oferece outras condições. Em Lisboa aprende-se muito, num ano aprende-se o que aqui se aprende em dois três ou quem sabe quatro anos”, atenta.


Para o Euro 2008 ficam as dúvidas na previsão ainda que sustente a afirmação “continuamos a ter um grupo poderoso” com Cristiano Ronaldo acrescido “temos um jogador que de facto é uma coisa de outro mundo e isso é um motivo de grande orgulho para nós. Quem tem Cristiano Ronaldo tem razões acrescidas para acreditar no sucesso”, aponta.
As perspectivas futuras deixam-se a marinar até porque “já fiz muita coisa e não faço ideia do que vou fazer nem me preocupa e, sobretudo, estou-me completamente a marimbar para aquilo que os outros dizem”.
Com objectivos concretizados, uma paixão pelo Norte e pela Luz, João Malheiro permanece como um marco no espectro nacional e “quem comenta não perde, porque não toma decisões”, mas este comunicador não perde, porque a derrota não integra o vocabulário dissemelhante das conquistas profissionais da sua vida.

Anabela da Silva Maganinho

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