sábado, 26 de abril de 2008

Afonso de Melo mostra a transparência na (in)formação


Afonso de Melo e Artur Villares, docente do ISLA

Afonso de Melo marcou presença, no ISLA Gaia, numa palestra sobre jornalismo e assessoria, que se realizou no passado dia 16,em que ficamos com a ideia de que “quando escrevemos há qualquer coisa que temos de transmitir a quem nos lê”.
A apresentação ficou a cargo de Artur Villares ao enfatizar que Afonso nasceu no Porto e que, ainda que tenha concluído o curso de direito, o vasto percurso curricular de Afonso encetou pelo jornalismo.

Afonso começou por dizer que é um orgulho ter tido o prazer de “poder trabalhar com grandes figuras do jornalismo e que, de facto, tinham uma visão da forma como se comunicava que, hoje, mudou completamente”. Uma perspectiva que podia ter como receptor um passarinho, tal como evocava Castelar Carvalho, desde que se tenha a consciência de que “sem encontrar uma capacidade para atingir aquilo que é a emoção não era possível fazer jornalismo”, advoga Afonso de Melo. Afonso mostra-nos duas distinções daquele que é o jornalismo actual que envolve, não raras vezes, a «opinião» dos factos. Numa primeira instância, de acordo com Afonso de Melo, quando estamos num lugar temos de nos sentir como os olhos, os ouvidos e até o nariz daqueles que não estão no acontecimento e aí “uma coisa é querermos escrever com emoção no sentido de um jornalismo que nos faça chegar às pessoas, que faça as pessoas sentirem algo com aquilo que escrevemos; outra coisa é transformarmos o que escrevemos no centro do acontecimento”. Neste sentido presenciamos o avanço da opinião que não deve estar inserida na descrição dos factos.
Do jornalismo à assessoria recordo que Afonso de Melo foi assessor de imprensa da selecção nacional de futebol e essa função “foi útil para distinguir aquilo que pode tocar pessoalmente as pessoas que lêem e naquilo que deve ser a transparência da pessoa que escreve para a pessoa que lê ou é visada naquilo que escreve”, assevera. Ainda que não seja uma função entusiasmante e não se traduza na verdadeira paixão profissional do jornalista, Afonso lembra que “teve a vantagem” até porque “a selecção ganhava mais do que perdia”. Para Afonso não é necessário ser um bom jornalista para se conseguir um bom assessor até porque “o assessor vive um bocado no meio de dois mundos e tem a dificuldade ou a impossibilidade de agradar aos dois [instituição e jornalistas]; todavia, uma das obrigações do assessor consiste em “criar condições para que os jornalistas desenvolvam o seu trabalho” e termos sido jornalistas, a priori, “dá-nos a capacidade de percebermos aquilo que os jornalistas precisam para o seu trabalho”, esclarece. O momento mais complicado, a cerca de nove meses do campeonato europeu, foi dissipar o problema de comunicação que havia “entre a figura do Scolari e a imprensa e era necessário, de alguma forma, criar um ambiente mais tranquilo”, lembra Afonso.

O percurso de Afonso de Melo passou, numa primeira fase, pelo jornalismo político e só depois rumou ao jornalismo desportivo, Artur Villares inquiriu-o acerca das distinções que podemos atribuir aos vários géneros jornalísticos e Afonso respondeu que o jornalismo desportivo é aquele “que mexe com a emoção e, se calhar, também é um jornalismo mais difícil de mater o distanciamento perante as emoções”, confessa. Muitos podem pensar que há uma tendência por parte dos jornalistas, no que concerne ao desporto, para acabarem por «apoiar» mais determinada equipa e por isso podem ser apelidados de tendenciosos. Esta pode não ser uma situação totalmente errónea, mas Afonso deixou claro que não é simpatizante de qualquer clube a não ser o da terra. No entanto, não deixa de revelar que “num jogo de futebol dificilmente não consigo estar por um lado ou por o outro”, ou seja, muitas podem ser as razões, designadamente por uma equipa jogar melhor ou, ao invés, por uma formação ser mais frágil, podem ser causas quando as coisas são vividas ao minuto. Afonso não deixa de reflectir sobre a imparcialidade que é impossível, embora o que acontece, por vezes, é que “estamos a escrever uma coisa completamente banal, simples, a descrever um facto e, quem do outro lado lê, está convencido que estamos a descrever um facto que lhe é particularmente negativo quando não é negativo nem positivo é simplesmente um facto”, afirma. E, por isso, admite que “a imparcialidade é impossível o que não é impossível é a honestidade”.


Numa era em que a “carteira hoje objectivamente é um mito” coloca-se uma interrogação para quem entrega a carteira profissional do jornalista, sendo que após a assessoria voltar ao jornalismo acaba por ser “uma questão de consciência”. Subsequentemente a mais de 20 anos ao serviço do jornalismo, Afonso foi confrontado com uma situação no que concerne à carteira que poderia acontecer com um jornalista que dá os primeiros passos, nunca com uma pessoa que têm um currículo tão vasto. Se voltava a ser assessor Afonso confessa que teria de ser um projecto que o motivasse realmente, mas que, não há grandes probabilidades disso acontecer. Enquanto assessor esteve inserido num grupo em que bons tempos foram vividos; porém, “temos de perceber que o tempo passa e que as coisas não vão continuar a correr sempre bem. Que há de chegar a um ponto em que mais vale sair numa fase em que ficamos com saudades das coisas do que sair numa fase em que já estamos fartos delas. Se ainda estivesse ao serviço da selecção, aquando do murro de Scolari, “o assessor, o que pode dizer naquele momento é que Scolari não pode falar”, isto porque não pode justificar a atitude que outra pessoa tem. Com isto Afonso não quer criticar quem o substituiu, apenas pretende mostrar a forma como reagiria e o facto de Scolari não falar naquela noite poderia evitar “a repetição de discursos, algumas vezes contraditórios, porque o discurso do dia seguinte é bom, o discurso da noite é mau e, se estivéssemos ficado pelo discurso do dia seguinte as coisas seriam certamente mais fáceis”.
O que acontece não só no desporto como em algumas outras áreas é que “as fontes de informação começam a ser reduzidas” e quem trabalha para um meio de comunicação sabe que para obter informações, hoje em dia, tem de recorrer a assessores que apenas “nos transmitem uma versão dos factos”. Afonso atenta mesmo que “o que acontece é que o resto das fontes são tão fechadas, nalguns casos, que, muitos jornalistas, se calhar, depois não se dão ao trabalho de ir obter mais informações para construir a notícia e, então, acabam por não escrever uma notícia, mas por canalizar uma determinada versão dos factos ou, pelo menos, uma determinada coloração dos factos”.
Afonso de Melo enquanto assessor sempre deixou evidente “eu não sou fonte de informação”, o que não impede de saber que “há jornalistas que estão, absolutamente, conotados com as fontes de informação” e esse “é um dos grandes perigos da profissão de jornalista.
Numa conversa informal, conseguimos saber um pouco mais da assessoria e deste ex-assessor que declara a paixão pela escrita e pelo jornalismo de redacção em que o mediatismo não está patente, mas sim a honestidade e o relato dos factos do quotidiano directamente ao leitor.

Anabela da Silva Maganinho

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