quinta-feira, 26 de junho de 2008

O ISLA ao sabor da música


A música na rádio e na televisão foi discutida como um negócio de interesses, no Isla Gaia, na passada sexta-feira, naquela que foi a última palestra do Milénio da Comunicação.
Álvaro Costa e Júlio Montenegro deram a voz aos radialistas com gosto pela música e acabaram por ter a seu lado Diogo Carvalho e David Sousa, elementos da banda Sugarleaf. Os Sugarleaf são uma banda de Lisboa que nasceram para o mundo da música há quase quatro anos, mas que ainda não é conhecida por todos, ao invés dos profissionais da comunicação de rádio que há décadas que travam uma luta com as playlists.
Álvaro Costa revelou duas perspectivas advindas do início do século passado que assentam na ideia que a rádio “coloca em perigo as tornés e o mercado das pautas de música”, além disso, faz aparecer aqueles a que podemos denominar como “espiões do negócio” que não são mais do que “aqueles que não oferecem resistência e se contentam em banhar-se da música por mera diversão” que vêm no decorrer da rádio como “uma espécie de ladrão sem vergonha”. O radialista da Antena 3 chama a atenção que não é só em relação à rádio que se pode enunciar tais pareceres, pois se transportarmos para o século XXI e substituirmos rádio pelas tecnologias digitais “estamos a falar da mesma coisa”.


A realidade que nos acerca é que sofreu e tem vindo a sofrer constantes mutações e isso verifica-se, conforme salienta Júlio Montenegro, pelo facto de que “música e rádio foram duas coisas indissociáveis durante algumas décadas até que apareceu a canção «Vídeo kill the radio star» e a música, a partir daí, divorciou-se um pouco da rádio e menosprezou a terra”. E ao falar em música Júlio Montenegro evoca a indústria envolvente. Os músicos começaram a direccionar-se para as potencialidades da imagem só que muitos deles acabaram por “perder porque não chegavam ao vídeo nem à divulgação do vídeo”, realça.


Daniel Catalão, moderador do painel, acabou por ir buscar uma realidade que é a de que gravar um suporte físico, em outros tempos, era muito difícil e a tecnologia acabou por facilitar essa tarefa, um aspecto que David Sousa acaba por assumir, todavia se existe esse pró, também se evidencia o contra de “chegar ao mercado”.

“Há um monopólio que é muito grande e, hoje em dia, assistimos a verdadeiras injecções daquilo que se quer vender”, enfatiza o músico, e as repercussões acabam por culminar na escolha do público por entre as editoras “que mexem muito nas playlists de rádio e são, sem dúvida, as maiores condicionantes”.


Estamos perante um cenário em que “a rádio esqueceu os paradigmas que a fez sentir alicerçada, que a fez sentir, realmente, que havia uma razão para evoluir e para continuar a trabalhar”, como revela Diogo Carvalho, e o dar algo de novo e investir na criatividade podem ser soluções para voltarmos à rádio de todos.
O contrasenso instala-se quando Diogo projecta a ideia de se exibir um programa em horário nobre “que dê a oportunidade às bandas de tocar ao vivo” no qual, a título de exemplo, “se faça uma votação em directo, tal como nas telenovelas ou no telejornal, e se pergunte o que o público quer”. Álvaro Costa não vê esse exemplo como viável ainda que sejam “interessantes do ponto de vista do artista, mas são impensáveis sob o ponto de vista do negócio”, até porque “ouvir as pessoas é inútil no sentido em que há um excesso de marketing”. Uma técnica perecível para o radialista que Diogo analisa como uma solução possível para uma linguagem da rádio com o intuito de “trazer novidade e trazer novos conteúdos”.


A quota da música nacional nas rádios tem sido um ponto a favor das bandas portuguesas, mas, ao mesmo tempo, as coisas podem não ser assim tão eficazes. Como David Sousa menciona as rádios nacionais queixam-se de não terem música nacional para difundir; no entanto, o que é verídico é que bandas como os Sugarleaf são portuguesas, independentemente de cantarem em inglês ou em qualquer outra língua, e não conseguem ter espaço nas emissoras. Esta é mais uma problemática que se tem vindo a debater que leva Álvaro Costa a dizer que “se as pessoas querem ganhar peso no mercado tem que ser em português”.


“A rádio tinha memória, agora deixou de haver memória na rádio”, evidencia David, porque “perdeu o intermediário e se perdeu a magia”, como complementa Júlio Montenegro; no entanto, não podemos descartar as outras oportunidades, desde que não nos aprisionemos delas, como acentua Álvaro Costa. O que está em causa não é a crise da música, mas sim “o negócio da produção/gravação da música”, confessa Álvaro Costa, e esta é uma realidade oriunda dos anos 79/80 quando “a geração se habituou um pouco à indústria discográfica como um asilo”; hoje, a capacidade criativa é cada vez maior – “existem mais de sete milhões de bandas no myspace” – por isso, o digital serve para “libertar as pessoas”. No entanto, como Daniel Catalão refere também faz com que nos sintamos, por vezes, perdidos e “a rádio e televisão acabavam por afunilar um leque que é tão vasto”.
A rádio tornou-se “um formato, um produto e acho que um serviço, ao mesmo tempo”, confessa o radialista, e o “encanto pelo digital” não a extingue, apenas abre outras esferas, como a on-line. E, de acordo com o raciocínio de Diogo, “se as rádios on-line representarem dinheiro, essas rádios também vão poder pagar a radialistas de novo e vão também poder fazer negócio”, podendo aqui ter que ver “com a importância que o mundo anglo-saxónico dá à rádio” como afirma Álvaro Costa.

entre o público os restantes membros da banda Sugarleaf

Tudo gira em torno de interesses e de negócios que preencham um monopólio de combinações e a “rádio tornou-se num suporte da música no sentido da playlist. A ditadura, o formato a isso facilitou e, então, desaparece o encenador da rádio, o intimista, aquele que fazia de intermediário entre as virtualidades da música e o consumidor, e passou a desaparecer esse teatro da rádio que desvirtuou a linguagem resultado das virtualidades das músicas e tudo passou a ser ditado de fora para dentro e a rádio tornou-se um suporte da gigantesca playlist”, elucida Júlio Montenegro, ordenações ou ordens que ditam as músicas que vão poder ser ouvidas, cuja consequência foi fazerem “com que a rádio perdesse a alma”.
A preocupação para as bandas nacionais já não assenta em pilares como os que David seguiu aquando dos primórdios da sua carreira, que consistiam na composição “de uma obra válida”, agora, ao invés de outrora, tudo está direccionado para o lucro e para as concepções artificiais que colocam a qualidade “num patamar que já ninguém sabe”.
A formulação com que ficamos é que é fulcral encontrar “razões para continuar a agarrar nisto de uma forma sustentável”, pegando nas palavras de Diogo, sem que se tenham de escravizar os profissionais de rádio – evocados por Daniel Catalão e por Júlio Montenegro –, sem que as audiências sejam uma constante prevalência e sem que a comunicação de hoje seja conhecida por aquela que está “assente na droga, no sexo e na tragédia, porque isto é o que se vende”, como ressalta Júlio Montenegro.
Por entre a música popular, a música mais roqueira, chegando mesmo ao fado de Marisa ou, no outro lado do oceano, a Benny Goodman, verdade é o que David Sousa frisou “a música é uma coisa universal que não tem que ter língua, nem nada que a tenha que catalogar. É uma arte e, por ser arte, pode-se espraiar por todos os meios”.

David Sousa (Sugarleaf)


Júlio Montenegro (ex-radialista Antena 1)

Álvaro Costa (Antena 3)



Diogo Carvalho (Sugarleaf)


Anabela da Silva Maganinho

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